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terça-feira, 2 de outubro de 2012

ESPECIAL: Carandiru, 20 anos depois: As vítimas


Do Última Hora SP - 22h:18


LEIA OS NOMES DOS 111 DETENTOS EXECUTADOS EM 2 DE OUTUBRO DE 1992

1) Adalberto Oliveira dos Santos
2) Adão Luiz Ferreira de Aquino
3) Adelson Pereira de Araujo
4) Alex Rogério de Araujo
5) Alexandre Nunes Machado da Silva
6) Almir Jean Soares
7) Antonio Alves dos Santos
8) Antonio da Silva Souza
9) Antonio Luiz Pereira
10) Antonio Quirino da Silva
11) Carlos Almirante Borges da Silva
12) Carlos Antonio Silvano Santos
13) Carlos Cesar de Souza
14) Claudemir Marques
15) Claudio do Nascimento da Silva
16) Claudio José de Carvalho
17) Cosmo Alberto dos Santos
18) Daniel Roque Pires
19) Dimas Geraldo dos Santos
20) Douglas Edson de Brito
21) Edivaldo Joaquim de Almeida
22) Elias Oliveira Costa
23) Elias Palmiciano
24) Emerson Marcelo de Pontes
25) Erivaldo da Silva Ribeiro
26) Estefano Mard da Silva Prudente
27) Fabio Rogério dos Santos
28) Francisco Antonio dos Santos
29) Francisco Ferreira dos Santos
30) Francisco Rodrigues
31) Genivaldo Araujo dos Santos
32) Geraldo Martins Pereira
33) Geraldo Messias da Silva
34) Grimario Valério de Albuquerque
35) Jarbas da Silveira Rosa
36) Jesuino Campos
37) João Carlos Rodrigues Vasques
38) João Gonçalves da Silva
39) Jodilson Ferreira dos Santos
40) Jorge Sakai
41) Josanias Ferreira de Lima
42) José Alberto Gomes pessoa
43) José Bento da Silva
44) José Carlos Clementino da Silva
45) José Carlos da Silva
46) José Carlos dos Santos
47) José Carlos Inojosa
48) José Cícero Angelo dos Santos
49) José Cícero da Silva
50) José Domingues Duarte
51) José Elias Miranda da Silva
52) José Jaime Costa e Silva
53) José Jorge Vicente
54) José Marcolino Monteiro
55) José Martins Vieira Rodrigues
56) José Ocelio Alves Rodrigues
57) José Pereira da Silva
58) José Ronaldo Vilela da Silva
59) Josue Pedroso de Andrade
60) Jovemar Paulo Alves Ribeiro
61) Juares dos Santos
62) Luiz Cesar leite
63) Luiz Claudio do Carmo
64) Luiz Enrique Martin
65) Luiz Granja da Silva Neto
66) Mamed da Silva
67) Marcelo Couto
68) Marcelo Ramos
69) Marco Antonio Avelino Ramos
70) Marco Antonio Soares
71) Marcos Rodrigues Melo
72) Marcos Sérgio Lino de Souza
73) Mario Felipe dos Santos
74) Mario Gonçalves da Silva
75) Mauricio Calio
76) Mauro Batista Silva
77) Nivaldo Aparecido Marques de Souza
78) Nivaldo Barreto Pinto
79) Nivaldo de Jesus Santos
80) Ocenir Paulo de Lima
81) Olivio Antonio Luiz Filho
82) Orlando Alves Rodrigues
83) Osvaldino Moreira Flores
84) Paulo Antonio Ramos
85) Paulo Cesar Moreira
86) Paulo Martins Silva
87) Paulo Reis Antunes
88) Paulo Roberto da Luz
89) Paulo Roberto Rodrigues de Oliveira
90) Paulo Rogério Luiz de Oliveira
91) Reginaldo Ferreira Martins
92) Reginaldo Judici da Silva
93) Roberio Azevedo da Silva
94) Roberto Alves Vieira
95) Roberto Aparecido Nogueira
96) Roberto Azevedo Silva
97) Roberto Rodrigues Teodoro
98) Rogério Piassa
99) Rogério Presaniuk
100) Ronaldo Aparecido Gasparinio
101) Samuel Teixeira de Queiroz
102) Sandoval Batista da Silva
103) Sandro Rogério Bispo
104) Sérgio Angelo Bonane
105) Tenilson Souza
106) Valdemir Bernardo da Silva
107) Valdemir Pereira da Silva
108) Valmir Marques dos Santos
109) Valter Gonçalves Gaetano
110) Vanildo Luiz
111) Vivaldo Virculino dos Santos



ESPECIAL: CARANDIRU, 20 anos depois - Tragédias em complexos para infratores mudaram rumo de Carandiru e Imigrantes


Do última Hora SP - 18h:20 - Atualizado às 22h:02
Paulo Eduardo Dias

Não só apenas o Complexo Penitenciário Doutor Flámínio Fávaro - nome dado em homenagem ao médico legista que lutava por direitos mais humanitários aos presidiários - a Casa de Detenção, foi demolido pelo governo do estado no final dos anos 1990, início dos anos 2000. Um grande centro, deste vez para menores, tirava o sono do governador de São Paulo à época, Mario Covas (1995-2001). A Fundação pelo Bem Estar do Menor (FEBEM) Imigrantes, localizada na Rodovia dos Imigrantes, KM 13, no bairro da Água Funda, zona Sul, foi palco de várias rebeliões sangrentas, entre os anos de 1997, 98 e 99, ano de sua desativação. Neste período, os mais diversos conflitos foram registrados no local, internos contra funcionários, apenados e PM e até mesmo em brigas entre si, sendo essas, as que tiveram saldo mais trágico. Muitas fugas também aconteceram na unidade, que ficava colada ao Parque do Estado, no mesmo ponto dos ataques de Francisco de Assis Pereira, conhecido como o Maníaco do Parque. As fugas não tinham data e nem mesmo hora para acontecer. Era comum em dias de fuga haver um reforço de policiamento nas portarias do Jardim Botânico, Zoológico e no Parque Científico da USP, localizados na Avenida Miguel Estefano, o motivo era simples, assim que entravam no meio da mata, a única saída era caminhar em torno de meia hora e chegar à avenida que corta o Parque do Estado e a Fundação Zoológico.

Por diversas vezes, bombeiros e PM´s se deslocavam para controlar as chamas que vinham de fogo em cobertores, colchões e tudo aquilo de inflamável que os internos encontravam. Na FEBEM Imigrantes, estavam os chamados reincidentes e perigosos, também aqueles que já não mais cabiam na superlotada Unidade do Tatuapé, outro grande complexo que enfrentava as mais graves crises. Pelo alto risco, alguns até com mais de 18 anos, o Batalhão de Choque era sempre chamado, e quando ameaçava invadir os menores recuavam, talvez até pelo temor do vivenciado por seus companheiros de grade em 1992.

                            Dado Junqueira/Folha Imagem
Mas os meses de setembro e outubro de 1999 deixaram cicatrizes marcantes na FEBEM Imigrantes. Em apenas 14 dias, quatro fugas foram consumadas na unidade, sendo uma, recorde nacional de incompetência ou até mesmo de facilitação, quando 644 internos tomaram as ruas da região dos bairros de Americanópolis, Cursino, Água Funda e o município vizinho Diadema. Na época da fuga, o complexo abrigava mais de mil menores, com uma capacidade que não chegava a 500. Os esforços do Comando de Operações Especiais, o COE, unidade de elite da PM que também esteve no Massacre do Carandiru, componente do Batalhão de Choque, própria para buscas em matas e locais de difícil acesso eram em vão, umas vez que, assim que voltavam para a unidade, os menores escapavam de novo.

A gota d´água começou na madrugada de 25 de setembro, com a fuga de mais 89 internos. Aqueles que não conseguiram fugir começaram mais um quebra quebra, fogo e bombas. Desta vez, a destruição foi geral, os amotinados tinham reféns funcionários e internos que não seguiam as regras estabelecidas pelos mais fortes. Após horas de rebeldia e já na parte de cima da unidade jogavam telhas e o que tinham em mãos para a parte que se concentravam homens de Choque que aguardavam ordens de Covas, que aquela hora, sonhava em demolir o complexo já totalmente depenado. Naquele momento, três prédios ardiam em fogo e todo o estoque de alimentos, remédios e prontuários estava destruído. O fim da rebelião se deu quando a cabeça de um dos internos mortos foi jogada na parte aonde estava a PM, que nessa hora tomou a iniciativa de conter a rebelião, que além do decapitado terminou com a morte de mais três adolescentes, sendo dois carbonizados. Na mesma semana, o governador Mario Covas desativava a FEBEM Imigrantes.

Assim como o Carandiru, desativado em 2002, para se tornar o Parque da Juventude, o terreno da antiga FEBEM Imigrantes com mais de 167 mil metros quadrados dá vida hoje a um centro esportivo, que segundo a página do governo estadual conta com ginásio de esportes coberto; duas quadras poliesportivas externas; piscina semi-olímpica; campo de futebol society; pista de skate; salas de ginástica, dança e musculação; vestiários e sanitários; enfermaria; e sala de apoio.

ESPECIAL: Carandiru, 20 anos depois - Carandiru marcou minha infância e ajudou em minha escolha profissional


Do Última Hora SP - 17h:52 - Atualizado às 17h:54
*Paulo Eduardo Dias

Outubro de 1992, ao sair da escola de freiras em que eu estudava, bem próximo ao horário em que este texto é publicado,no bairro de Moema, zona Sul de São Paulo, meu pai liga o velho rádio de seu Chevette marrom. Estamos a caminho de buscar minha mãe no serviço, bem próximo dali, no Paraíso, também zona Sul. Lembro como se fosse hoje, mesmo 20 anos depois. Na altura da Avenida Rubem Berta, o comunicador informa que uma grande rebelião desde o inicio da tarde atinge a Casa de Detenção, segundo ele, há muita fumaça, viaturas, e helicópteros sobrevoando a zona Norte. Até o caminho a encontramos minha mãe, meu pai muda a frequência do rádio por diversas vezes, naquele época nem entendi, mas talvez fosse uma maneira de me desligar daquele mundo, tinha apenas 7 anos. Quando chego em casa, várias notícias na TV dão conta de que aquele episódio não era somente um dos diversos motins que afligem as penitenciárias até hoje.

Só pude ter a noção realmente do que havia ocorrido, na segunda-feira, 5, quando li nos jornais impressos, jornais estes que hoje já não existem mais, como o Notícias Populares, o NP e o Diário Popular, o DIPO. O extermínio cometido por uma polícia higienista estava estampado em fotos e letras garrafais. As fotos mostravam, o que hoje, quando vejo, retratam tiros à queima-roupa. Buracos gigantes, e uma mistura de dor, sangue, suor e água que rajava de canos destruídos. Metralhadoras Beretta, revólveres, escopetas, mordidas de cachorro e corredor polonês contra canos de PVC quebrados, pequenos nacos de pau e alguns estiletes. O Massacre do Carandiru ali entrava em minha vida. No dia em que foram divulgados os nomes das vítimas, li uma por uma, além de suas fotos.

O tempo passou e lá estava o Carandiru de novo em minha vida. Meu irmão mais novo estava para nascer e as consultas de minha mãe eram em um bairro da zona Norte. Quando eu a acompanhava, lá estava ele. Descia na estação Carandiru do metrô, ficava eufórico por estar naquele local, por ser uma estação com a plataforma aberta aos quatro cantos, admirava aquele prédio antigo, como uma cor esfarrapada. Uma cena que não sai de minha cabeça, é de um detento, pendurado na grade de uma janela com os dois pés pra fora, pés estes em liberdade sendo balançado em direção ao vento. Suas mãos seguravam firme e parecia gritar palavras, sem ao menos alguém dar atenção.

Com aqueles textos, fotos e imagens e com uma situação que até hoje ainda não está controlada, escolhi como profissão reportar tais situações que nunca deixarão de acontecer e me matriculei em uma faculdade de jornalismo.

* Jornalista, é repórter e escreve textos para o UHSP

ESPECIAL: Carandiru, 20 anos depois - A comparação do armamento utilizado pelo Estado e pelos apenados


Do Última Hora SP - 12h:45

A tese de legítima defesa alaçada pelo governo do estado de São Paulo e principalmente pelos oficiais presentes no Carandiru pode ser colocada por terra se comparada friamente os armamentos utilizados no embate do dia 2 de outubro de 1992. Segundo o processo criminal e pelas armas entregues dias após à ação, a PM adentrou ao presídio com ao menos 3 tipos de revólveres, pistolas, submetralhadoras com cinética para rajadas e tiros intermitentes, escopetas, fuzis e até mesmo um rifle. Enquanto os detentos, pelo armamento apresentado pela PM portavam 13 revólveres, pedras, paus barras de ferro, canos de PVC e facas improvisadas, as "naifas".

Abaixo uma ilustração produzida pela Editoria de Arte do UHSP



Fonte: Processo Criminal / Portal Terra                                                                                                         Editoria de Arte UHSP


Os dados informam que foram utilizados e entregues para anexo ao processo, 224 revólveres Taurus, 23 revólveres Magnum, 76 revólveres Rossi, um revólver Smith & Wesson, uma pistola .45, 3 espingardas calibre 12, 21 metralhadoras Beretta, 8 metralhadoras HK, 4 fuzis M16 e 1 rifle. Num total de 362 armas entregues, e que se encontram até hoje no fórum à espera de perícia. Já de armamentos apreendidos na ação, destacam-se facas artesanais, as "naifas", ripas de madeira, pedaços de ferro retorcido, estiletes, pedras, canos de PVC e marretas.

Presidiário recolhe os restos da "batalha". Além de muito lixo atirado pelas janelas, nota-se pedaços de madeira e canos



ESPECIAL: Carandiru, 20 anos depois - Perfil: Jovens, paulistas, sem condenação, com sobrenome Silva, dois irmãos e até aniversariante que deveria estar solto


Do Última Hora SP - 09h:27 - Atualizado às 09:48
Paulo Eduardo Dias
*
A maioria dos apenados mortos na Casa de Detenção, havia nascido em São Paulo e no interior do estado mais rico do país. Muitos outros, por diversos estados do Brasil. Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais, além alguns, que não a região sudeste, onde cumpriam suas penas. O perfil das vítimas demorou-se a ser traçado, já que a listagem oficial dos mortos saiu apenas na metade da semana posterior a ação policial. Segundo publicação do jornal Folha de S. Paulo, em 8 de outubro de 1992, 42 detentos tinham como local de nascimento a capital paulistana, 14 eram oriundos de cidades do interior. Da região nordeste, nove haviam nascido nos estados da Bahia e Pernambuco, e ao menos um, João dos Santos, no Piauí. De 104 mortos, 84, ou seja, 80% ainda não tinham penas definidas e aguardavam a seus julgamentos presos. Quase metade tinha menos de 25 anos. Doze presos tinham menos de 21 anos de idade e 39 entre 22 e 25. Ainda entre os mortos, um sofrimento duplo para a família paulistana Marques. Dois irmãos, Valdemir Marques dos Santos, 24, e Claudemir Marques, 23, acusados por 12 roubos e dois homicídios foram mortos. Suas penas seriam cumpridas no longínquo ano de 2058, mas ambos eram exceções naquele pavilhão, que reunia em sua maioria réus primários.

                                          Folha Imagem
Entre os registros de identificação, pessoas com primeiro nome José - uma ironia, já que entre os Pm´s, os detentos são chamados de "Zés" - lideram a lista das vítimas, são 16, entre José Carlos, José Cícero, José Elias e José Pereira. Outro destaque são os sobrenomes, ou nomes terminados com o hoje famoso "Silva" e "Santos", somados estavam no nome de 43 homens do Pavilhão 9, sendo 26 e 17 respectivamente, como Geraldo da Silva, Mamede da Silva e Stafano Ward da Silva Prudente, além de Juares dos Santos, Nivaldo de Jesus Santos e Vivaldo Virgulino dos Santos.

                                      Agência Estado
Um dado relevante que merece destaque, e que frequentemente é reclamado por familiares de presidiários, entidades de direitos humanos e advogados é o vencimento da pena, sem a libertação do sentenciado, exatamente o que ocorreu com Osvaldino Pereira Flores, baiano, segundo seu prontuário no sistema prisional, deveria estar solto, sua pena de dois anos e oitos meses havia vencido dois anos antes, em 1990. Morreu com tiros no ombro esquerdo, justamente no dia em que completava 37 anos, em 2 de outubro de 1992.





Próxima publicação ESPECIAL: Carandiru, 20 anos depois - Os armamentos do embate

*Fotos retiradas da internet. Folha Imagem e Agência Estado

ESPECIAL: Carandiru, 20 anos depois - A real história do Massacre de 111 homens

Do Última Hora SP - 06h:17 - Atualizado às 06h:23
*
A manhã daquela sexta-feira estava como as outras. Funcionários da carceragem trocando de turno por volta das 7h da manhã, PM´s da muralha tomando seu posto e principalmente tranquilidade nas galerias e pavilhões da Casa de Detenção Doutor Flamínio Fávero, Próximo das 11h, o então diretor geral da casa, Ismael Pedrosa recebia novos inquilinos. Ditava às regras, o que se podia e o que não se podia fazer no ambiente. Como a maioria estava ali pela primeira vez, os ajudava a manter a boa convivência com os lideres e com aqueles que estavam há tempos confinados no local. Naquele momento, fora das salas de palestra, o pátio estava tomado de detentos. Naquele começo de tarde ensolarado em São Paulo, no campinho de barro, ocorria uma partida de futebol, era final de um campeonato entre os presidiários. Próximo dali, dois “moradores” acertavam as contas de uma desavença iniciada semanas antes. Segundo publicação da Revista Já, de 27 de setembro de 1998, do extinto jornal Diário Popular, quatro meses antes, Antônio do Nascimento, o Barba, à época, com 36 anos, condenado por latrocínio (roubo seguido de morte) fora avisado por Luís Tavares, o Coelho de 23, que sua “mulher” – ou seja, seu parceiro sexual passivo era um estuprador. A acusação era gravíssima, pois presos não toleram crimes sexuais.

                                                          Foto: Ormuzd Alves/Folha Imagem
Um briga que só envolveria duas pessoas, acabou ecoando pelos quatro cantos da penitenciária quando na manhã daquela sexta-feira, 2 de outubro de 1992, Barba resolveu acertar sua diferença com o desafeto e, deu-lhe um soco no rosto. O agredido não poderia deixar barato, perderia o respeito daqueles que considerava serem seus aliados. A notícia do início da briga correu rápido pelas galerias do pavilhão 9; uma briga ou confusão poderia encerrar a entediante vida de 7 mil homens confinados da forma mais desumana pelo Estado.

Coelho reagiu, e machucou bastante Barba. Agora lhe restava o castigo e as punições dos agentes penitenciários. Subiu à sua cela, trocou de roupa e quando se preparava para se entregar, veio a notícia que a turma de Barba queria pegá-lo. A desinteligência entre os dois homens virou um verdadeiro acerto de contas entre dois grupos com mais ou menos 50 homens de cada lado. O aviso aos funcionários: “Sai fora, que isso é briga de preso.” A maior prova quanto à veracidade ao aviso é de que não foram feitos reféns.

                          Foto:Heitor Hui/2/10/92/AE
Vendo a movimentação intensa no Pavilhão 9, Pedrosa, diretor experiente, não se desesperou, sabia que podia resolver a situação na base da conversa ou com algum acordo. Nem deu tempo de negociar. Pouco antes das 13h:40 policiais do batalhão vizinho ao Complexo do Carandiru já estavam posicionados no portão principal. Talvez alertados pelo alarme disparado por algum guarda da muralha ou pela fumaça que saia pelas janelas do pavilhão. Com os chamados de reforço via rádio, a imprensa ficou sabendo e correu até a Avenida Cruzeiro do Sul, na zona Norte, para saber o que ocorria naquela sexta-feira, véspera de eleições municipais. Com medo de uma possível invasão, parentes e amigos de detentos começaram a chegar aos montes. Vindos de todos os bairros de São Paulo, às 14h30 obrigaram os PM´s do policiamento de área a fecharam o quarteirão da Cruzeiro do Sul, entre as avenidas Zachi Narchi e General Ataliba Leonel.

No Pavilhão 9, a briga já terminara e os presidiários que pelas frestas viam a movimentação dos familiares e o grande contingente policial preparavam a abertura dos cadeados trancados por eles horas antes. O medo dos 2.069 presos da ala era por uma invasão da Tropa de Choque. Eram 15h quando junto ao coronel Ubiratan Guimarães, comandante de Policiamento do Metropolitano chegaram os primeiros homens de uma tropa de elite. Eram homens da Rota, que a bordo de suas veraneios passavam pelo meio dos parentes de presidiários que tomavam a frente da Casa de Detenção. Com cavalos de pau e manobras bruscas atormentavam e amedrontavam ainda mais os parentes, que a essa altura, já enfrentavam diversos conflitos com os PM´s armados de escudos, cassetetes e cachorros.

Como num toque de mágica ou pura pró-atividade às 15h15, 345 PM´s se espremiam na Avenida Cruzeiro do Sul. Aguardando ordens do coronel Ubiratan, os respectivos tenentes-coronéis das unidades e seus soldados, sendo 51 homens do 1º Batalhão de Choque, a Rota, mais 125 policiais do 2º Batalhão, responsável por distúrbios civis ou praças com grande quantidade de pessoas e mais 74 PM´s e 13 cães do 3º Batalhão encerram a Tropa de Choque. Havia ainda mais 25 homens do Grupo de Ações Táticas Especiais, o GATE, além de 16 policiais do Comando de Operações Especiais da PM, o COE, grupo de elite especializado em atuar em ambientes fechados ou de extrema dificuldade, como matas ou morros.

Segundo fontes da época, a maioria dos policias estavam apavorados, diziam que os presidiários tinham armas e principalmente seringas com sangue infectado. Do outro lado, os detentos esperavam pelo pior, sabiam que não podiam enfrentar aquele grande arsenal. Para dificultar a entrada da tropa, armaram uma barricada no pátio. Jogaram óleo de cozinha nos degraus. Ainda assim, esperavam que os PM´s não invadissem. Enquanto Pedrosa conversava via megafone com os presos, o então secretário de Segurança Pública Pedro Campos retransmitia ao coronel Ubiratan a ordem do então governador Luiz Antônio Fleury, que no momento almoçava na cidade de Sorocaba, interior paulista. “Vocês tem autorização do governador Fleury para entrar”. Segundo matérias publicadas na época pela imprensa. Pedrosa foi atropelado pelos PM´s. Ali começava a maior operação em presídios da história brasileira.

A Tropa de Choque já estava preparada, os oficiais tinham em seu poder submetralhadoras Beretta nove milímetros e fuzis Parafal 7.62. Ambos têm em sua cinética, com apenas um click, a opção de tiros normais ou intermitentes, ou seja, em forma de rajadas. Os homens do segundo escalão tinham a tiracolo espingardas calibre 12 e os soldados levavam consigo revólveres calibre 38.

Às 16h eles tomam a frente do Pavilhão 9, uma enxurrada de facas artesanais, as “naifas” na gíria penitenciária, estiletes e alguns canos de PVC quebrados do encanamento são atirados pelas janelas. Para a PM eram os presos os atacando, mas na verdade eram os presos de desfazendo de tudo que pudesse ser identificado como arma. Como a maioria dos PM´s nunca tinha enfrentado uma revolta e até mesmo debutavam na Casa de Detenção entenderam aquilo como uma afronta. O próximo passo foi chamar um dos bombeiros que estava próximo e solicitar que com o auxilio de um alicate hidráulico arrombasse o grande cadeado posto no portão principal do pavilhão.

                                                                                Foto:Folha Imagem
Logo após os primeiros passos, os PM´s escorregam. Era o óleo jogado pelos presos horas antes.  O horário certo da entrada é por volta das 16h20. De acordo com a Revista Já, na edição publicada em 27 de setembro de 1998, um gritou ecoou pelo Pavilhão 9: “Aqui é a morte! Preparem-se para morrer!” A partir daí rajadas de metralhadora foram ouvidas; gritos de ambos os lados. Alguns presos aguardavam nus, era uma forma de não mostrar resistência. Os que ainda ficavam no corredor eram exterminados a base de chumbo que saia do cano dos revólveres. Os PM´s adentravam nas celas; ordenavam aos detentos que deitasse no chão, a essa altura, úmidos pela água que vazava do quebra - quebra e pelo sangue que jorrava das feridas provocadas pelas balas.

Com a falta de notícias, parentes de detentos e os PM´s preteridos da ação in loco entravam em confronto a todo instante na Avenida Cruzeiro do Sul. Já na parte de dentro quem havia escapado das balas, das mordidas dos cães e de sessões de espancamento no corredor polonês era obrigado a carregar os feridos para a enfermaria e os cadáveres para o grêmio recreativo; faltou espaço. Às 17h a operação dentro do Pavilhão 9 está encerrada. Não há mais focos de incêndio ou qualquer tipo de rebeldia. As primeiras ambulâncias levando presos feridos começam a deixar as dependências do Carandiru rumo ao Pronto Socorro de Santana. Do lado de fora chegam informações desencontradas a familiares e jornalistas. Sem mencionar feridos, o número que se tem é de oito mortes. aquela sexta-feira terminaria com o número irreal de oito mortes, sendo oito presidiários socorridos ao PS de Santana. A manhã de sábado, 3 de outubro, mal tinha iniciado e novos protestos aconteciam na porta do Carandiru. Parentes de presos que tinham adormecido na rua e outros que acordaram bem cedo para estarem ali, faziam de tudo para obter informações do que ocorrera no dia anterior. Vários repórteres chegavam ao local com o amanhecer do dia. Suas pautas eram levantar o que realmente aconteceu e principalmente buscar informações verídicas sobre os fatos. Circulava em toda a cidade relatos que as oito mortes eram uma farsa e que teriam mais vítimas. As dúvidas vinham da grande quantidade de “rabecões”, ou seja, carros do IML nas cores preto e branco que entravam e saiam a todo instante na madrugada. Naquela tarde de sábado era data de eleições municipais no país. Em São Paulo a disputa estava acirrada, inclusive com candidatos aliados ao partido do governador; mencionar qualquer tipo de dado ou notícia referente a uma desastrosa ação da PM poderia acarretar em prejuízos. Em entrevista ao UHSP, em janeiro de 2012, o jornalista Inácio França, repórter do jornal Diário Popular e escalado a cobrir o dia posterior a ação da PM, nos conta como foi descoberta a quantidade de vítimas.

  • Três ou quatro repórteres concluíram que não dava para apurar tudo sozinhos, que não dava para contar com as reduzidas equipes de plantão e muito menos esperar pela sinceridade do governo. Resolvemos contar os mortos onde eles deveriam estar: nos vários IML´s espalhados pela cidade. Eu fui para o posto da zona Leste. Cada um foi para um lado. No posto do IML no bairro de Artur Alvim, consegui entrar. Lá estavam os cadáveres enfileirados dos presos fuzilados pela PM. Havia mais de vinte corpos. Uma hora depois, nos reencontramos diante do portão do Carandiru e fizemos a contagem: vinte e poucos da Zona Leste mais “x” do IML do Hospital das Clínicas mais “y” do posto da Zona Sul, total: 108. Espantados, tínhamos certeza da farsa de Fleury e do seu “cupincha” Pedro Franco. Como não há furo coletivo e que a verdade apareceria ao longo daquele mesmo dia, passamos o número para a rádio Jovem Pan.
                                              Foto: Internet
O domingo, 4, iniciou já com os números fechados daquela meia hora fatídica da tarde de sexta-feira, 111 homens executados pela policia militar. A palavra massacre nunca foi mencionada pelo governo estadual e principalmente pelos comandantes de tal operação. Nem o governador Luiz Antonio Fleury, o secretário de segurança pública Pedro Campos e muito menos os inúmeros oficiais que adentraram ao Carandiru utilizaram o termo. Quando questionado da chacina Fleury se esquivou dizendo que não era secretário, numa clara referência ao chavão “tirando o corpo fora”, passando a responsabilidade das declarações ao chefe imediato dos PM´s. Os funcionários do quadro do IML que estavam de folga foram chamados as pressas, todos os que tinham condições de trabalho retomaram seus postos devido à grande carga de trabalho. Os corpos tinham pintados a tinta números, que seriam utilizados para identificação. Como a maioria estava em estado deplorável, com tiros no rosto, marcas de bala que causaram grandes estragos, e alguns com até mais de dez tiros, os funcionários abortavam os parentes que queriam entrar no posto. Mesmo sendo direito do cidadão, os servidores do IML tinham compaixão pelos parentes sabiam que cenas como aquelas provocaria sequelas pelo resto de suas vidas. Corriam para retocar ar marcas de bala e sofrimento estampada no rosto dos mortos. Funcionários do IML já acostumados a verem cadáveres choravam ao verem os corpos. Ainda no domingo, o IML contava 112 corpos de vitimas do Carandiru em suas dependências, eram 68 no IML Central, dez na zona Leste, 17 na zona Oeste e outros 17 na zona Sul.

Os primeiros corpos começaram a ser enterrados na tarde de segunda-feira, 5, em covas rasas, lado a lado uma das outras no Cemitério de Vila Nova Cachoeirinha, na zona Norte. Enquanto parentes enterravam seus entes o governo ainda batia cabeça em confeccionar a lista oficial dos 111 detentos executados. Isso só foi ocorrer no final do dia seis de outubro.  Em 2012, ano este que completa a dolorosa marca de 20 anos do episódio, os familiares aguardam pelas indenizações trabalhadas pela procuradoria; ninguém foi preso, e, nem sequer verdadeiramente condenado. O comandante da ação coronel Ubiratan Guimarães foi afastado uma semana depois do ocorrido de seu cargo. Em 2001 foi acusado de homicídio e condenado, em junho, há 632 anos por 102 das 111 mortes (seis anos por cada homicídio e vinte anos por cinco tentativas de homicídio). Não ficou um dia preso, sendo absolvido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça. Ubiratan foi assassinado em setembro de 2006, com um único tiro abaixo do mamilo esquerdo. Logo após sua morte, no muro do prédio onde morava foi pichado "aqui se faz, aqui se paga", com referência ao Massacre do Carandiru que o coronel coordenou. Exatos 10 anos após o extermínio, em outubro de 2002 o Complexo do Carandiru começou a ser esvaziado sendo implodido quase que totalmente dando vida ao hoje Parque da Juventude.  

Próxima publicação do ESPECIAL: Carandiru, 20 anos depois - O perfil dos executados

*Fotos retiradas da internet. Folha Imagem e Agência Estado

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

ESPECIAL: Carandiru, 20 anos depois



Do Última Hora SP - 03h:41 - Atualizado às 04h:06


A partir desta segunda-feira, 1º de outubro, véspera do aniversário de 20 anos do extermínio de 111 homens, no que ficou conhecido mundialmente como o Massacre do Carandiru, o UHSP reproduz com textos e fotos a situação vivida naquela tenebrosa tarde da sexta-feira, 2 de outubro de 1992.

O ESPECIAL Carandiru, 20 anos depois, inicia com uma enquete, que pergunta o que a ação da Tropa de Choque paulista significa para você, leitor do blog. Para participar, basta selecionar uma das repostas que estão inseridas em uma caixa ao lado direito, na parte superior.