Do Última Hora SP - 17h:52 - Atualizado às 17h:54
*Paulo Eduardo Dias
Outubro de 1992, ao
sair da escola de freiras em que eu estudava, bem próximo ao horário
em que este texto é publicado,no bairro de Moema, zona Sul de São
Paulo, meu pai liga o velho rádio de seu Chevette marrom. Estamos a
caminho de buscar minha mãe no serviço, bem próximo dali, no
Paraíso, também zona Sul. Lembro como se fosse hoje, mesmo 20 anos
depois. Na altura da Avenida Rubem Berta, o comunicador informa que
uma grande rebelião desde o inicio da tarde atinge a Casa de
Detenção, segundo ele, há muita fumaça, viaturas, e helicópteros
sobrevoando a zona Norte. Até o caminho a encontramos minha mãe,
meu pai muda a frequência do rádio por diversas vezes, naquele
época nem entendi, mas talvez fosse uma maneira de me desligar
daquele mundo, tinha apenas 7 anos. Quando chego em casa, várias
notícias na TV dão conta de que aquele episódio não era somente
um dos diversos motins que afligem as penitenciárias até hoje.
Só pude ter a noção
realmente do que havia ocorrido, na segunda-feira, 5, quando li nos
jornais impressos, jornais estes que hoje já não existem mais, como
o Notícias Populares, o NP e o Diário Popular, o DIPO. O extermínio
cometido por uma polícia higienista estava estampado em fotos e
letras garrafais. As fotos mostravam, o que hoje, quando vejo,
retratam tiros à queima-roupa. Buracos gigantes, e uma mistura de
dor, sangue, suor e água que rajava de canos destruídos.
Metralhadoras Beretta, revólveres, escopetas, mordidas de cachorro e
corredor polonês contra canos de PVC quebrados, pequenos nacos de
pau e alguns estiletes. O Massacre do Carandiru ali entrava em minha
vida. No dia em que foram divulgados os nomes das vítimas, li uma
por uma, além de suas fotos.
O tempo passou e lá
estava o Carandiru de novo em minha vida. Meu irmão mais novo estava
para nascer e as consultas de minha mãe eram em um bairro da zona
Norte. Quando eu a acompanhava, lá estava ele. Descia na estação
Carandiru do metrô, ficava eufórico por estar naquele local, por
ser uma estação com a plataforma aberta aos quatro cantos, admirava
aquele prédio antigo, como uma cor esfarrapada. Uma cena que não
sai de minha cabeça, é de um detento, pendurado na grade de uma
janela com os dois pés pra fora, pés estes em liberdade sendo
balançado em direção ao vento. Suas mãos seguravam firme e
parecia gritar palavras, sem ao menos alguém dar atenção.
Com aqueles textos,
fotos e imagens e com uma situação que até hoje ainda não está
controlada, escolhi como profissão reportar tais situações que
nunca deixarão de acontecer e me matriculei em uma faculdade de
jornalismo.
* Jornalista, é repórter e escreve textos para o UHSP
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